quinta-feira, 11 de outubro de 2007

A Sociedade da Satisfação

Eu acho... que no mundo moderno tem sido difícil sobreviver às novas políticas invisíveis da padronização. Praticamente temos aderido à forma de micro pontos de interrogação, impressados, empurrados, polidos por mentes tão insanas quanto a nossa própria, erguidos pelas mãos de instituições físicas tão velhas conhecidas nossas e a quem acabaram apelidando de amigos, família, colegas e sociedade.

As pessoas acham que entendem tudo de mundo, tenham elas vivido 100 anos ou apenas 12. O mais interessante é que ostentam as flâmulas e o estandarte da policultura, da diversidade, do singular e das peculiaridades de cada indivíduo que as cercam. Só que todo esse blá blá blá bonitinho é a santa e imaculada hipocresia nossa de cada dia. Na verdade, o que todo mundo sente é a potência do ego vitaminado pelas tidas certezas de "todos". Engraçado que em uma atual política que se diz maleável às novas inserções sócio-econômico-culturais - que, generalizando, parece já aceitar muito bem as passeatas em prol dos direitos homossexuais, aplaude campanhas do "ser diferente é normal" e tantas outras figurinhas que ascendem em meio aos confetes dos programas de auditório e das propagandas comerciais - não é raro que ainda encontremos os velhos padrões de pensamento acorrentando os membros da segregada população.

Confesso o quanto me incomoda e até me enfurece observar que a gente tá fazendo papel de babaca. Todos nós. Brincamos de ser felizes, de amar ao próximo, de curtir os amigos... mas é tudo fachada. A maioria gosta apenas do que lhe é comum, do que conhece, do que é dito na boca do povo como "normal". Ridiculamente excluem de alguma forma aqueles que inclinam um pouco mais à esquerda ou à direita da linha do PUV (Padrão Único de Vida).

Outro dia uma colega de faculdade veio me perguntar por que passam as décadas, mudam as gerações e uma pergunta prevalece como a PRIMORDIAL num diálogo de gente que não se vê regularmente. A tal questão - que já deve ter virado quesito básico no currículo da existência e tem grandes possibilidades de vir a fazer parte dos processos seletivos de concursos e estágios Brasil afora - é "você está namorando?". Até aí você vai parar e se perguntar: "e daí, o que esse imbecil tá querendo dizer com isso?". Não sei se alguém já parou para analisar essa pergunta que tira o sono dessa colega. Vem lá da Malásia uma tia que não te vê há trocentos anos. A velha deveria ter um monte de curiosidades a seu respeito - aliás, a desgraçada nunca te ligou ou mandou cartas e nem sabe da existência do teu MSN ou orkut (mexer nessas ferramentas ela sabe, só que não te adicionou) - mas chega com aquele jogo de poses ensaiadas e olhares "fofoquescos" te minando com duas perguntas que já são irmãs siamesas: _ E aí, como você está? Namorando?

Tentemos entender o DNA dessas interrogações... na verdade elas são proferidas subliminarmente assim: _ E aí, meu filho, como vai a vidanamorando? Exatamente assim. Pasme! No mundo de hoje você só tem vida se estiver namorando. Isso para os mais tradicionais, claro. Porque se você responde inocentemente que não está, entra em cena a bateria dos moderninhos. A próxima pergunta é? Tcham tcham tcham tcham! "Ah, mas está ficando com alguém?" Porra...! É aí o ponto-chave dessa baboseira toda que você começou a ler lá em cima. Queridas... brothers... lekes... emos... POVO. Se você responder que não namora e se ainda tiver a ousadia de repetir o não quanto ao ficar... Declara-se a aberração da existência humana na Terra. Se até os romanos ficavam com todo mundo nos salões de festa dos palácios... se VOCÊ, mero mortal, humano, mirradinho, seqüelado, cagão de natureza... como que você - criatura - não está namorando e nem ficando???? Minha colega deu as alternativas do que vão achar de você se tiver a coragem ou a pretensão de dizer a verdade sobre sua atual situação amorosa. Na alternativa A e mais light de todas, vão crer que você tem algum problema... sim, porque "não estar beijando na boca é doença". Na sequência as coisas vão começando a piorar. Se você NÃO É homossexual (nada contra a opção de ninguém, mas se hoje existe o direito de gostar do mesmo sexo, então, mais do que nunca, temos o direito de nos sentir livremente atraídos pelo sexo oposto sem preconceitos, não é mesmo?), saiba que é assim que estará sendo visto na mente maléfica - detalhe: dos seus "AMIGOS" e/ou "FAMILIARES".

Por que me prolonguei nesse exemplo? Porque ele ilustra exatamente como estamos fingindo viver muito bem, obrigado. É comum ouvir conselhos do tipo "não importa os outros, seja você mesmo", mas atreva-se a ser você mesmo. ATREVA-SE! Se existe uma habilidade que deveria ser considerada a característica elementar dos seres humanos é a de blefar. Tudo que as pessoas falam, é completamente o avesso. Tudo que aconselham, é exatamente o que não querem te ver fazendo. Toda essa palhaçada de direitos iguais e ser livre, que vivamos com nossas escolhas desde que nos faça bem... Tudo isso é balela. Você na verdade não está aqui para ser feliz. Está aqui para fazer a felicidade dos outros. Está nesse mundo pra causar brilho nos olhos de quem te cerca, pra alegrar o caminhar dessa gente, pra fazer todo mundo se sentir normal. A problemática do "não estar namorando", do "não ficar", do ser autosuficiente, do ignorar a "invencionice" da humildade é que aqueles que se declaram diferentes, que não são comuns, que se sentem especiais ou enveredam por atalhos das trilhas que a maioria segue vão ser tratados como "aberrações" ou loucos.

Depois da Sociedade de Consumo, Sociedade do Espetáculo e outras sociedades criadas por famosos pensadores... digamos que a nossa realidade é a de uma Sociedade da Satisfação. Isso por dois motivos: 1- você vive para satisfazer ao mundo; 2- você deve satisfação a todo mundo. Qualquer um pode ler esse texto e jurar para si próprio que, não, vive para si, que faz o que quer e e nã é influenciado por ninguém. Mas, benvindos ao planeta Satisfaction - aqui você só existe porque os outros confirmam sua existência. Agora Vamos parar porque não há como prolongar ainda mais essa discussão que poderia levar dias, meses, anos para cessar.

Nunca quis escrever um blog, mas acabei sucumbindo à vontade de falar livremente em algum lugar sem as interrupções do pensamento oposto dos que discordam de nós. Não tenho problemas em discutir, aliás, adoro. Dificilmente saio de uma briga. Mas... talvez seja mais uma lei ditada pela Sociedade da Satisfação - ter que dar satisfação do que penso e, nesse último parágrafo, do porquê estou escrevendo. Não tem escapatória, estamos amarrados e dessa rede, por mais que queiramos, não há fuga... eu acho!